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sábado, 26 de maio de 2012

Vodca (ou Vodka)


            Hoje estamos na terceira parte da História da Vodca. Boa leitura!


LEI SECA
 
              "A vodca é uma bebida incolor que pinta seu nariz de vermelho e enegrece sua reputação." A frase é de Anton Tchekhov, um dos maiores autores russos de todos os tempos. Outro gênio da literatura fazia coro à oposição pública de Tchekhov à bebida. Filho de um alcoólatra, Fiódor Dostoievski escreveu que "o consumo de bebidas alcoólicas brutaliza o homem e o transforma em um selvagem". O outrora bêbado contumaz Leon Tolstoi escreveu sobre os malefícios do álcool e criou, em 1887, a Liga Contra a Embriaguez. Com o apoio de artistas desse porte, movimentos de temperança ganhavam força na sociedade, especialmente após a morte de Alexandre II, em 1881. Seu filho e sucessor, Alexandre III, não era tão liberal e não podia ignorar a crise do alcoolismo. Ele sancionou novas leis, como uma de 1885 que dizia que as tavernas só poderiam vender bebidas alcoólicas se também servissem comida. Alexandre III morreu de pneumonia em 1894, e seu filho Nicolau II deu passos mais largos rumo à centralização do comércio alcoólico. Em 1895, com o intuito de controlar a qualidade e a quantidade de álcool no mercado, restituiu o monopólio, o que, em um primeiro momento, rendeu bons frutos tanto para a saúde do povo como para os cofres públicos.

            Mas no século 20 a situação se complicou para a família real. O país perdera a Guerra Russo-Japonesa, em 1905, ano em que uma série de rebeliões se espalhou pelo território. E o estigma da vodca não havia diminuído. Mais uma vez, a bebida atrapalhou o desempenho. Generais japoneses reconheceram que algumas vitórias ocorreram graças ao porre dos soldados russos. A posição do governo sobre o assunto gerava controvérsia. Havia campanhas pela sobriedade, mas, como a vodca era a principal fonte de renda do governo, na prática o consumo era estimulado. A pressão aumentou ano a ano. O país estava em crise, e Nicolau II, desacreditado. Mas, com a Primeira Guerra Mundial, em 1914, o povo voltou a se unir e apoiar o czar, que achava que a sobriedade era de suma importância no conflito. Para mobilizar a população, ele decretou a lei seca, a primeira do gênero na história. O czar queria livrar a Rússia do vício. E parecia que podia conseguir. "A população saiu da inércia bêbada para a sobriedade da noite para o dia", registrou o jornal americano The New York Times na época.

              Os soldados ficaram prontos para a guerra na metade do tempo previsto. A embriaguez pública era algo raro. A criminalidade caiu. "Não se pode escrever sobre a mobilização russa ou o rejuvenescimento do império sem falar da proibição da vodca", disse o jornal inglês Times em 1915. "De um só golpe, libertou-se da maldição que paralisou a vida dos camponeses por gerações. Isso em si não é nada menos que uma revolução."

         Entretanto, a proibição teve consequências nefastas. Os soldados estavam despreparados, havia poucos suprimentos. "A lei seca significou que o Estado perdeu um terço do orçamento, resultando em falta de botas e fuzis [no front]", lembra Patricia Herlihy, historiadora da universidade Brown, nos EUA, e autora de The Alcoholic Empire (inédito em português). Para tentar acelerar a economia, o governo imprimiu mais dinheiro, o que causou hiperinflação e mais descontentamento. "A defasada infraestrutura ferroviária dificultou o transporte de grãos para o norte. A produção de samogon, uma vodca ilícita [e muito mais prejudicial à saúde], cresceu. A falta de pão em São Petersburgo [Petrogrado à época] desencadeou a rebelião de mulheres, que tiveram apoio de soldados e estudantes para pedir a abdicação de Nicolau II", diz. Somem-se a isso um frio de -40 ºC no inverno e anos de descontentamento. "Há relação entre a proibição e a queda do czarismo", afirma. O cientista político americano Mark Schrad, autor de The Political Power of Bad Ideas (inédito em português), concorda. "Os tesouros mais cobiçados do Palácio de Inverno não eram os quadros na parede, mas as adegas imperiais", diz. A era dos czares acabou em 1917. "O quebrado governo bolchevique cogitou vender o estoque de vodca no estrangeiro, mas optou por destruí-lo para evitar insurreições bêbadas", diz Schrad. A vodca tinha criado um vício econômico que ajudou a derrubar o regime czarista. Mas o estigma social perdurava.


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http://super.abril.com.br/historia/como-vodca-criou-uniao-sovietica-677121.shtml

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